Ânimo em meio à
turbulência
Thomas H. Kang
Recentemente andava extremamente desanimado com a quantidade
de pequenas e grandes tarefas que se avolumavam para mim em São Paulo. As
obrigações de mestrando, que já são suficientes para ocupar uma vida,
somavam-se à preocupação com as monitorias para os alunos da graduação e ao
projeto junto ao governo do Estado em que tenho trabalhado. Como se não
bastassem, compromissos com a Igreja adicionavam ainda mais peso.
Mais do que pelas horas de trabalho, o que mais me deixa
nervoso é a perda de foco e concentração devido às muitas atividades pequenas.
Também a percepção da incapacidade de fazer tudo como deveria ser feito é
exasperante. Um certo perfeccionismo e talvez uma excessiva exigência em
relação ao próprio desempenho deixam uma pessoa enfurecida quando se percebe
que, mesmo dedicando todo o tempo disponível para as atividades, é impossível
executar tudo com excelência.
Incomoda-me profundamente também que algumas de minhas
atividades são enfadonhas ao extremo. Outras ainda, como a monitoria, são até
agradáveis. Mas com a falta de concentração e tempo, é impossível estar sabendo
a matéria tanto quanto os alunos esperam (ou tanto quanto eu gostaria de saber
para me sentir realizado). Não consigo não me importar com trabalho mal feito,
seja devido às minhas próprias exigências, seja devido às supostas exigências
dos outros. E assim, com o tempo escasso restante, fica difícil estar
satisfeito com a própria dissertação, ao pensar no quanto ela poderia ter
melhorado não fossem os outros afazeres. As atividades da igreja recentemente
têm me prejudicado, talvez por que eu mesmo exijo de mim mais do que realmente
posso contribuir. E no fim das contas, mesmo minha espiritualidade vai para o
saco com a falta de tempo. Muito trabalho, pouca reflexão, vida vazia. Jesus já
alertara Marta sobre isso.
Não abri mão, no entanto, de atividades de lazer com amigos
no fim de semana. Importante, é verdade, principalmente quando me conformo por
um momento que não conseguirei fazer tudo como quero. Fácil então se entregar
na hora de se decidir pelo lazer e, também, pelo erro do excesso de lazer. E
assim, também não consigo descansar de fato. Descanso a mente, mas não o corpo.
Abri agora pouco um livro de teologia, enquanto não
conseguia dormir pensando em tudo que preciso fazer. Bonhoeffer, meu guru
teológico, fala das últimas e penúltimas coisas. Não vou explicar. Mas isso me
fez pensar na minha semana vindoura. Um pouco de ânimo surgiu e alguma vontade
por disciplina.
Vou fazer o que puder. Lembrar que o projeto junto ao
governo, embora chato ao extremo, é útil e ajudará pessoas necessitadas. Jesus
sempre falou dos pobres e somos chamados realmente a ajudá-los – por amor e
para preparar o caminho para que a graça chegue a todos. Tentarei ajudar meus alunos
da monitoria. Deveriam ter um monitor melhor, não alguém que busca aprender a
econometria que não estudou na graduação. Mas não posso fazer mais do que
posso. Meu esforço não pode ser apenas para que eu consiga me sentir bem, mas
como serviço ao próximo. Não posso querer ser competente e esforçado apenas
para reforçar meu ego, nada é mais angustiante que isso, porque o ego é
ganancioso.
Talvez aí Deus me ajude. Preciso escrever um texto para o
Conselho Mundial de Igrejas e milhões de idéias vêm a minha cabeça. Mas de que
maneira estarei servindo a Cristo? Se não conseguir enxergar isso no dia-a-dia,
como escreverei sobre isso? Certamente, estarei mais apto a escrever quando meu
ódio ao mundo se desvanecer e amá-lo do jeito que ele é, com todos os seus defeitos.
O que vejo de errado no mundo deve continuar sendo visto como errado, mas a
minha reação não pode ser daquele que se sente pessoalmente incomodado. Não
pode ser uma resposta raivosa e vingativa, para quem o mundo incomoda por não
satisfazer meus desejos egoístas. A injustiça existe e minha reação deve ser de
amor a esse mundo, onde Deus quer que sinais de graça estejam presentes. Não
pode ser o desejo de puni-lo simplesmente, de revoltar-se contra tudo. Agredir com raiva o que existe não leva às pessoas
a mensagem da graça e do amor de Cristo pela humanidade. Talvez, por isso, não
posso enxergar minha semana com raiva.